O Avelar após 1640

Por Raul Manuel Coelho

Com o golpe perpetrado por um grupo de conjurados em 1640, reflexo do descontentamento, justificado, que predominava no Reino de Portugal, dom João IV é aclamado rei em detrimento de dom Filipe III, deposto por faltar gravemente ao que fora jurado por seu avô nas Cortes de Tomar de 1581. Seguiu-se uma guerra com Espanha durante 28 anos.

Nesse contexto de instabilidade, por estas terras, além do pagamento do imposto da décima, decretado para fazer face às despesas que o conflito exigia, muitos foram os jovens Avelarenses com idade a rondar os 20 anos, solteiros, e que deles não dependesse a subsistência das respetivas famílias, a ser mobilizados para as fileiras militares.

Dos que foram e voltaram vivos ainda não encontrámos registo. Porém, de alguns que por lá terão morrido dispomos dos assentos no livro de óbitos da Paróquia do Avelar, nomeadamente, os concernentes a: António de Sequeira, Manuel Lopes, Simão Gonçalves, António Pestana, Manuel Álvares e Simão Frade; na imagem: “(…) em o ano de 1648 faleceu Simão filho de Simão Frade, da Rascoia, estando nas fronteiras do Alentejo por soldado. Não fez testamento (…)”.

Antes, logo em 1641, o até então senhor das Cinco Vilas fora executado em Lisboa, acusado de fazer parte numa conspiração para assassinar o novo rei. Voltava, assim, o gozo do senhorio do Avelar para a posse da Coroa.

Porém, em 1654, dom João IV entendeu criar a Casa do Infantado, instituição que visava dotar o príncipe secundogénito com recursos adequados à respetiva subsistência, cultura e qualificação, tanto que, na falta do irmão mais velho, poderia ter de subir ao trono, o que, aliás, aconteceu quase sempre.

Deste modo, o novo senhor das Cinco Vilas passava a ser o segundo filho varão do rei: no caso, o futuro, dom Pedro II, rei após a morte sem descendência do irmão primogénito, dom Afonso VI. Sobre algumas das pessoas que, por força deste novo contexto, acorreram a esta região e que aqui tiveram descendência, na qual se contam muitos de nós, haveremos de falar.

Nessa época, ainda era entendido que a proveniência e legitimidade, tanto do poder espiritual da Igreja, como do poder temporal detido pelos reis e senhores, era a própria vontade de Deus, todos exercendo autoridade por escolha Divina e em Seu Nome. Toda a gente estava imperativamente submetida às leis seculares e às leis canónicas, motivo pelo qual, não só as instâncias civis, como também a própria Igreja dispunha de mecanismos de vigilância sobre as ideias e comportamentos das pessoas, com as consequentes penalizações em caso de falta. Refira-se, além da ação específica da Inquisição, as visitações realizadas nesses tempos às Paróquias, com muita regularidade, pelo poder episcopal.

Curiosamente, de acordo com uma tese que temos formulada, terá sido poucos anos depois de 1640 que, entre a Vila e o lugar do Castelo, se erigiu a Ermida de Nossa Senhora da Guia. Para o início deste culto terão concorrido e convergido alguns acontecimentos dessa mesma época, os quais, estamos em crer, motivaram a escolha da invocação Mariana de Nossa Senhora da Guia, e não outra.

A tradição, talvez com origem celtibera, seria já a de que ali por perto, por vezes, se avistara uma linda jovem que inexplicavelmente desparecia; ou um menino, segundo outros; o que, de acordo com a forte religiosidade católica do século XVII, seria reinterpretado como sendo Santa Maria e o seu filho Jesus ainda criança.