As Cinco Vilas do Chão do Couce

Por Raul Manuel Coelho

Pode inferir-se de alguns dos Apontamentos anteriores que, nesta região, em tempos passados, existia um complexo emaranhado de delimitações geográficas, não coincidentes, descontinuadas, retalhadas, muitas vezes sobrepostas, em função da tipologia e natureza das diversas jurisdições, circunscrições administrativas, eclesiásticas, senhoriais e áreas territoriais concelhias. Tal, pelo que já vimos, foi sempre um dos fatores de bloqueio do respetivo desenvolvimento local.

Como afloraremos em futuros Apontamentos, a raiz do problema, ainda que mitigada, tomando novos contornos, manteve-se, em parte, nos seculos XIX e seguintes, tanto que, a estruturação administrativa atual ainda é um entrave ao progresso.

Isto a propósito de, num evento da Associação Memória Avelarense, se ter colocado a seguinte questão: a designação de “As Cinco Vilas de Chão de Couce” é correta? Vejamos: pelo que nos é dado conhecer, historicamente, sobretudo entre os séculos XVII e XIX, tal expressão foi usada com frequência, a par de outras, tais como: “As Cinco Vilas”, “A Comarca das Cinco Vilas” ou “A Ouvidoria das Cinco Vilas”, constando em diversos documentos antigos. Houve também, talvez, que distinguir esta região de um Concelho, criado no séc. XVI, entre Almeida e Figueira de Castelo Rodrigo, igualmente chamado de Cinco Vilas.

Ainda mais antiga é a expressão “o Chão do Couce”, em vez de “Chão de Couce”. O entendimento de que, em tempos idos, Chão de Couce não se reportava a uma localidade, mais sim a uma área geográfica, foi já considerado pelo Padre Eduardo Reis Coutinho em 1986. Tal tese parece encontrar fundamento em diversas fontes documentais coevas que estudámos.

Nos forais Manuelinos, de 1514, aparece a designação de “Vila do Couce”, dizendo-se que aquela localidade já antes se chamava “Palhais”. Depois, em 1529, na imagem, Dom João III criou aqui o cargo de juiz dos órfãos, explicitando que o fazia a pedido de seu primo, o marquês de Vila Real: “(…) nas suas vilas e concelhos de Palhais, Maçãs de Dona Maria, Aguda, e o Avelar e Pousafoles, que todas são no Chão do Couce (…)”. Num outro registo oficial, este de 1712, encontrámos a referência a um terreno particular localizado no campo do Chão de Couce, afolhado de trigo e de milho, “(…) a qual terra é limite da Vila do Avelar (…)”, ou seja, que pertencia ao Concelho do Avelar.

Assim, a localidade de Palhais, com o tempo, foi sendo associada ao topónimo Couce, e também ao de todo aquele espaço, o do Chão do Couce. Entre os motivos para tal, será de referir, em nosso entender, dois: primeiro, o de que junto ao lugar de Palhais foi construído o Paço Real, origem daquele Concelho e razão para este se presumir, depois, como sede da Comarca; segundo, o facto de que, contiguo ao mesmo lugar, mas já em território do Concelho de Penela, foi sediada a Paróquia e construída a Igreja do Chão de Couce dependente de uma Igreja de Penela, visando servir as populações cristãs da área da atual freguesia, então as da parte sul daquele Concelho de Penela e as do minúsculo Concelho de Palhais.

Ainda que conjuntadas em Comarca no séc. XV, a génese das Cinco Vilas será muito remota, recuando, pelo menos, ao período Romano; isto, considerando, nomeadamente, a estrada que aqui passava e as características orográficas locais: espaço muito amplo, fértil e plano, ou seja, terreno CHÃO, detendo importância estratégica e funcional. Em algum momento foi referenciado a COUCE, palavra esta com múltiplos significados, tais como: extremo, base, parte baixa larga, pancada, cabana, restolho (parte que, depois da ceifa, fica enraizada), etc. Assim, as povoações junto ao mesmo Chão, viram-se associadas em movimentações e atividades. Porém, todas sempre tiveram e mantiveram uma identidade própria distinta.

O Chão de Couce seria, assim, a designação de uma área geográfica, plana e larga, muito cultivada com cereais; produção então muito importante para a subsistência humana e, por isso, repartida territorialmente pelas diversas comunidades concelhias que se foram afirmando, nomeadamente: Avelar, Aguda, Penela, Palhais e Maçãs, sendo que estas, com exceção de Palhais, detinham a maior parte do respetivo território fora do dito Chão do Couce. Recordemos, por exemplo, que a parte mais extensa do Concelho do Avelar estava na zona da Serra Ancestral, a nascente.

Para terminar, importará dizer que, num estudo académico de 2021, da Universidade do Minho, encontrámos uma curiosa e intrigante novidade, porém, sem aí serem identificados os documentos que sustentam a última parte da seguinte afirmação: “(…) Destaca-se aqui também o complexo jurisdicional das 5 vilas de Chão de Couce, ditas também das «5 vilas de Avelar»”.