A Casa da Câmara do Concelho do Avelar
Por Raul Manuel Coelho
Os Concelhos muito antigos, como é o caso do Avelar, com origem, se não anterior, pelo menos medieval, alguns precedendo o Reino de Portugal e outros instituídos por estes monarcas, foram perdendo a respetiva independência à medida que o poder centralizado se foi, gradualmente, constituindo, afirmando e impondo, culminando com a extinção formal de todos os Concelhos em 1836.
Sucederam-lhes novas formas de organização do poder local, resultando desse processo os atuais Municípios. Ainda assim, foi abusivamente conveniente chamar-se-lhes também Concelhos, de modo a suscitar a mais fácil aceitação destas novas entidades.
Já Dom Dinis, por exemplo, no início do século XIV, determinara que os contratos feitos perante tabelião passassem a ser autenticados, em fé pública, com selo régio e já não com o selo concelhio. O regimento dos tabeliães passou a conferir-lhes, também, diversos poderes em detrimento dos Concelhos. Dom Afonso IV, por sua vez, criou o regimento dos corregedores, cuja atuação incidia sobre os governos locais concelhios, e também, a figura do vedor, à qual se seguiu a do vereador. Surgia, assim, com maior premência, a necessidade de um espaço de reunião mais reservado. As questões relativas à administração do Concelho tendiam a deixar de se fazer pela assembleia, ou concílio, de vizinhos, reunidos no adro da Igreja, debaixo de uma grande árvore, ou noutro local amplo ou abrigado na Vila. Tais reuniões gerais, por mando de Dom João I, passariam a ter lugar apenas quando o assunto fosse “grande e grave”. Mais determinou este Rei, que todos os pertences do Concelho fossem arrolados em livros, bem como, todos os processos e sentenças, o que tornava ainda mais imprescindível a existência de um Paço do Concelho ou Casa da Câmara. Aliás, em 1431, declarou, o mesmo monarca, que só reconheceria validade às cartas procedentes dos Concelhos, caso estas fossem redigidas, assinadas e seladas na dita Câmara do Concelho.
Na generalidade das terras, estes espaços eram edifícios humildes e de pequena dimensão, detendo, pelo menos, duas salas separadas, uma para as reuniões da vereação e outra para as sessões dos Juízes ordinários. Na Casa da Câmara guardavam-se, em arcas fechadas, todos os documentos e as insígnias concelhias. Podiam também ter, em piso inferior ou adjacente, uma área para cadeia ou outros fins específicos. Certo é que tais edifícios foram, nos últimos dois séculos, alvo de esquecimento, abandono, venda, ruina e destruição, pelo que subsistiram muito poucos reconhecidos como tal. São, pois, bens culturais valiosíssimos, muito mais raros do que os, também vetustos, pelourinhos.
Encontrámos referências explícitas à Casa da Câmara do Concelho do Avelar em documentos antigos datados dos anos seiscentos do milénio passado. Porém, esta já existiria, pelo menos, desde o século XV. A respetiva localização, necessariamente, só podia ser no centro da Vila, no então chamado Rossio da Vila do Avelar, na zona do atual largo 11 de novembro. Com a extinção e desmembramento do Concelho do Avelar no século XIX, este edifício terá, muito provavelmente, sido vendido, passando para a propriedade e uso particular.
Em 2019, considerando todas as características ainda visíveis, nomeadamente, o facto ser composta por duas salas contíguas com acessos independentes e exteriores no topo da escadaria, colocámos a hipótese de a Casa da Câmara do Concelho de Avelar ser a que a imagem identifica, tendo, nesse caso, subsistido todo este tempo, apesar do seu atual estado de grande ruina.
Seja como for, nada deveria obstar à respetiva recuperação e requalificação como tal, no contexto de uma intervenção criteriosa no espaço envolvente, o que constituiria um ato de inteligência e de extraordinário enriquecimento cultural, criando-se, deste modo, um original polo de cultura local, evocativo e interpretativo dos, sui generis, poderes locais de raiz medieval nesta região. A vila do Avelar justifica e merece.